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Da idade

Há mais ou menos 4 anos atrás eu estava em uma festa de brasileiros, lá na Espanha. Havia muita gente que eu estava vendo pela 1ª vez. No inicio da conversa é normal perguntarem quanto tempo você está no lugar, em que trabalha, etc. Naquela época, eu estava toda empolgada e também ansiosa, preocupada com uma prova muito difícil que se aproximava. Comentei ao grupo do meu antigo sonho de conseguir o título de espanhol para estrangeiros e que tinha chegado ali com esse fim. Eu fazia malabarismos para conciliar meu trabalho com os estudos. Agradecia a Deus pelas minhas patroas (eram duas) que compreendiam minha luta e eram super flexíveis nos meus horários. Trabalhava mais horas para compensar o tempo que gastava para ir ao curso que ficava em outra cidade e voltar. Foi assim por 2 anos.
No meio da conversa uma garota, de uns 25 anos mais ou menos, me olhou de cima a baixo, com desdém, e me disse: Não sei pra que, você com essa “idade”, veio pra cá pra estudar!
Que vontade de gritar, confesso! Tive que respirar fundo e em alguns segundos coordenar as idéias pra não ser grosseira. Sinceramente não sei de onde veio a calma que mantive ao responder. A raiva e a inveja contidas nessa pessoa eram notórias, claro! Quando comecei a falar todos os olhares se voltaram pra mim. Só a minha voz se fez ouvir e aí, não pude deixar de dizer: sou faxineira, às vezes babá, acompanhante de uma velhinha e lava-pratos em um restaurante nos fins de semana. Minha vida aqui é dura, tenho que trabalhar em vários lugares pra me manter. Sinto-me cansada, sozinha e muitas vezes triste por causa da saudade dos meus filhos, mas persigo o meu sonho, batalho muito pra isso. Sinto vergonha do meu povo que chega aqui “pra se dar bem”, que se mete em situações imagináveis para ganharem dinheiro e também das meninas que sujam o nome da mulher brasileira pela Europa.
Cada um vem pra cá com uma história, com um desejo e faz o seu caminho. O que me irrita e me entristece é que a maioria cospe no prato que come e ainda falam mal do país que os acolhe. Essas pessoas pequenas de sentimentos e cheias de ganâncias não valorizavam a oportunidade de crescimento pessoal, as oportunidades de aprenderem o idioma (que por sinal é oferecido gratuitamente pelo governo), da cultura e por aí a fora. Você está equivocada. Estudar ou aprender não tem nada a ver com a idade. Sinto falta das minhas criações (eu fazia mosaicos quando deixei o Brasil), das minhas poesias e relatos, das minhas costuras e bordados porque aqui não posso fazer nada disso. Tenho que trabalhar para sobreviver. Se você acha que estou velha pra estudar essa é a sua opinião e ainda bem que não concordo com ela. Eu tenho dois filhos em idades que se equiparam à sua e que estão na faculdade. Eu deixei o 2º ano de psicologia ao vir pra cá, sozinha, porque o que fazia já não me satisfazia. Então, quando chegamos a esse estágio na vida a hora é de mudança. Não me sinto velha pra fazer o que faço porque tenho uma ânsia de conhecimento que vai além da minha “idade”. Do alto dos meus 45 anos (nesse momento ela, surpreendida, arregalou os olhos por eu ter assumido os meus anos) me sinto orgulhosa dos meus avanços e cada vez quero mais. Se deixamos de sonhar isso significa que a vida deixou de pulsar dentro da gente. O meu corpo vai envelhecer, mas estou cuidado para que não aconteça o mesmo com meu cérebro. Agora me conta: o que você faz de legal com relação a isso?
Já dá para imaginar que ela não soube ou não teve o que me responder. Desconcertada, balbuciou algumas palavras de desculpa e algum minutos depois se afastou toda sem graça. As outras pessoas que participavam da conversa me apoiaram dizendo: Nossa, você deu uma lição nessa garota e ainda por cima em cima do salto. Na verdade a intenção não foi essa. Apenas me posicionei sobre o comentário maldoso dela. Da minha indignação inicial passei a sentir pena ao ver o quanto ela era despreparada e preconceituosa e isso, pra mim, também não tem a ver com a idade. Penso que tem a ver com personalidade, caráter, valores. Esses estereótipos são mesmo frutos  da mesquinhez de determinadas pessoas.
Quando fazia faculdade eu era a mais velha da turma e isso nunca me incomodou. Aliás, a idade nunca me incomodou e no final das contas surpreendia a galera porque sempre me diziam que eu não aparentava a minha idade real. Eu fiz amizade com a garotada que sempre me elogiava por estar ali. Viam-me como exemplo de esforço aliado à maturidade e experiência. No dia em que deixei a cidade fizeram uma surpresa linda, na rodoviária, com vários cartazes, música de despedida e fotos. Nem preciso dizer que chorei horrores. Guardo essa doce lembrança pra sempre!
Não tive as famosas crises dos 30 ou dos 40 anos. Em alguns dias vou completar meio século de vida e tenho pensado bastante sobre diversas coisas e como não poderia deixar de ser, sobre a minha velhice. Não estou em crise não. Só penso em ser uma velhinha antenada com o mundo e com saúde. Meus netos tem uma avó blogueira, trilíngue e artesã autodidata. Acho que vou deixar um legado rico de histórias e experiências interessantes pra contar pra eles.
No meu atual curso de inglês estudam comigo duas senhoras mexicanas de 60 e 70 anos respectivamente. Foi por essa razão que me lembrei dessa história. Essas pessoinhas simpáticas também se sentem como eu: jovens o suficiente para aprenderem e buscam exercitar o cérebro, fazerem amizades, etc. Elas são super interessadas, ativas mesmo. Sabem o quanto é importante poderem se comunicar em um idioma diferente e estão indo à luta. Na saída das aulas, uma delas faz caminhada comigo de vez em quando.
O mundo realmente dá muuuuuuuitas voltas, verdade? Agora eu já não sou a mais velha da turma J.  


Feliz dia! 
"Plágio é crime: Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998". 
Todos os direitos reservados.

4 Peles comentaram:

Nina disse...

Eh Paula, desabafar faz um bem danado, né? principalmente em cima de uma menininha tao atrevida e sem nocao. Falta de respeito nao tem idade. Caramba, tu falou assim mesmo com ela? Gente, isso que é forca!

Que bom saber que tu é virada assim, Paula, e continua se esforcando pra aprender cada vez mais e melhor a língua. Tbm detesto esse povo que fica só sugando as voas coisas do país e fica falando mal direto, odeio isso,tbm vejo mt aqui...
pena!

um bj e boa sorte com as pessoas que encontra.

Renata disse...

Oi, Paula! Que delícia receber a sua visita lá no meu cantinho!!! Obrigada!!!! Olha, essa vontade de aprender e de empurrar o mundo com o pensamento é que fazem textos lindos e verdadeiros como este. Que bom poder dividir essas angústias!!!!

Um beijo grande,

Renata.

Dê Turati ( Comunidade Artesanato Passo-a-Passo) disse...

Oi Paula, plac, plac, plac, plac, plac.....aplausos a você querida....amei seu texto...é tudo o que penso nos meus 53 anos...idade para mim é o que menos importa...podem me tirar tudo mas o que eu aprendi em cultura e com a vida, isooooo, ninguém nos tira.

Passando para uma visita e dizer para você pegar o selinho novo do meu blog. Na comunidade também tem selo personalizado, você já pediu o seu?

Te seguindo...
Beijos no coração...

De Turati>> Comunidade Artesanato passo-a-passo
http://vidaeartepasso-a-passo.blogspot.com

Carla Farinazzi disse...

Ei Paulette!

Eis um post pra se guardar para o resto da vida, e ler todos os dias! Você disse tudo, e deu uma verdadeira lição de vida, uma verdadeira aula de amar a si mesma. Esse rico legado que você tem não tem preço. Vale mais que tudo nessa vida. O que você já viveu, as experiências que já teve, o que já viu, já enfrentou, já passou é o que te compõe hoje: uma mulher linda, sensível, inteligente, madura e fascinante.
Eu a admiro!

Beijos

Carla

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